A Hora Mais Escura

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É muito difícil separar um filme como A Hora Mais Escura da propaganda política nele contida. Não se engane, amigo delfonauta, este filme é tão ideológico quanto O Triunfo da Vontade. Na verdade, o que faz com que Kathryn Bigelow ganhe prêmios da academia e Leni Riefenstahl leve a fama de uma diretora de admirável talento que escolheu usá-lo para o mal é que a senhora James Cameron faz sua propaganda para os vencedores da guerra. E apenas isso.

Como você provavelmente sabe, o que temos aqui é a dramatização da investigação que culminou no assassinato de Osama Bin Laden, e o filme é claramente feito para mostrar quão gloriosos são os estadunidenses e seu serviço de inteligência. Não é à toa que o filme chega aos cinemas apenas um ano e meio depois da morte do barbudão.

FILME

Como filme, A Hora Mais Escura funciona. A história começa em 2001, e termina no assassinato do líder do Al-Qaeda, em 2010 (e se você chamar isso de spoiler, é um cabeça de mamão). É interessante acompanhar as investigações e entender como eles encontraram o sujeito depois de tanto tempo.

O longa tem algumas cenas bem fortes. As cenas de tortura, em especial, beiram o torture porn de um Jogos Mortais, então esta não é uma obra para quem tem estômago fraco.

Os 157 minutos, no entanto, cobram seu preço, especialmente porque a narrativa não é tão dinâmica quanto poderia ser (considerando que, afinal de contas, este é um filme de espionagem). Porém, as atuações estão boas e as táticas militares são bem parecidas com as que vemos em um Call of Duty o que, na minha cabeça de nerd gamer, demonstra que elas estão próximas da realidade. Afinal, jogar Call of Duty é o mais perto de uma guerra que eu pretendo chegar na minha vida.

Se não fosse a parte da propaganda política, portanto, teríamos aqui um “filme nada”, recomendado para fãs do tema. Mas a parte ideológica está lá, e é impossível ignorar isso.

OS TERRORISTAS ODEIAM NOSSA LIBERDADE

Em determinado ponto do filme, um dos personagens fala algo como “os terroristas odeiam nossa liberdade, e por isso querem nos destruir”. Cá entre nós, a minha fé na humanidade não é lá muito alta, mas eu me recuso a acreditar que alguém realmente encara isso de forma tão simplista. Não é possível que as pessoas que criaram este longa pensam que o que causou o 11 de setembro foi “ódio pela liberdade”.

E, apesar de o longa tentar tão descaradamente a lavagem cerebral no estadunidense médio (aquele incapaz de ler legendas, sabe?), quando um terrorista finalmente cede após anos de tortura, o torturador manda um “agora você está pensando por conta própria”. Eu prefiro pensar que o roteirista Mark Boals juntou estes dois momentos em seu texto para fazer uma crítica social, pois se eu levar a sério vai parecer que o roteiro foi escrito por uma criança com deficiência intelectual.

Em vários momentos do filme, aliás, os estadunidenses reclamam dos três mil estadunidenses que morreram no ataque ao World Trade Center. Eu concordo que três mil mortes é uma tragédia absurda, e absolutamente nada justifica isso, mas infelizmente não dá para dizer que se trata de uma tragédia sem precedentes, pois o recorde da calamidade que o ser humano é capaz de causar ocorreu a mando de ninguém menos do que os EUA.

Refiro-me, claro, às bombas atômicas jogadas pelos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki, que causaram a morte de 225 mil civis inocentes (de acordo com as estimativas mais modestas que encontrei por aí), quando a guerra já estava praticamente vencida. Desta forma, enquanto o ataque ao WTC foi, sim, um ato de guerra com motivações político-ideológicas, as bombas atômicas foram mais uma experiência científica (“vamos jogar lá e ver o que acontece”), causando um número de vítimas 75 vezes maior, que sofreram muito mais do que as que estavam em um prédio derrubado.

Ambos os acontecimentos estão errados e são injustificáveis, mas é difícil sentir compaixão de um povo que perdeu três mil inocentes em um ato de guerra quando este mesmo povo causou a morte de 225 mil inocentes destruindo por completo duas cidades de um país que já estava rendido e indefeso.

Doze anos depois de ser destruído pelos EUA, o Japão já estava seguindo em frente com a vida, dando ao mundo alta tecnologia e animações onde mulheres com trejeitos infantis, olhos e peitos enormes fazem sexo com tentáculos como qualquer país saudável. Doze anos depois de os EUA terem perdido três mil pessoas, eles ainda estão se fazendo de coitadinhos em filmes destinados a manipular o resto do mundo e seus próprios cidadãos a aceitar uma guerra que nunca tinha acontecido, motivada pelo lucro, e apenas por isso.

Claro que, até aí, nenhuma outra guerra deveria ter acontecido. Mas assim caminha a humanidade…

CURIOSIDADES:

– Se você acha que eu sou um pacifista mariquinha, confira ainda esta semana um texto do Lucas fazendo um contraponto a este, no mais novo Delfos Debate.

– Caso você tenha chegado atrasado, aqui está o contraponto escrito pelo Lucas: A cura para o caos.