Metal Open Air: um reflexo do metal no Brasil

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No último final de semana, deveríamos ter um dos maiores festivais de metal que o Brasil já teve notícia, o aclamado Metal Open Air. Com um cast estrelado, o festival, diferentemente dos outros que ocorrem no Brasil, que visam um público mais abrangente, tinha a intenção de se firmar como um representante dos grandes festivais de heavy metal que vemos comumente na Europa e EUA. O resultado final: várias bandas canceladas, falta de infraestrutura e problemas diversos. Uma verdadeira vergonha.

Já ouvi em vários lugares as pessoas dizendo que “tinha que ser no Brasil”, ou ainda, os mais preconceituosos “isso que dá fazer um festival no fim do mundo”. Esse tipo de resposta simplista, padrão para tudo que dá errado no Brasil, gera um certo conformismo com o caso, algo que acho extremamente prejudicial. Não devemos nos ater a esse tipo de coisa e, sim, pensar seriamente no que esse episódio representa, pois essas respostas simplistas escondem várias mazelas no nosso cenário rock/heavy metal que devem ser discutidas.

Falo isso por experiência própria. Sou músico e, diversas vezes, já toquei em diferentes lugares, e tive contato com alguns promotores de shows. No Brasil, tem gente muito competente sim, e que sabe fazer as coisas direito. Mas o problema é que o rock e o heavy metal no nosso país ainda são extremamente amadores. E são esses amadores que fazem com que um festival do tamanho do Metal Open Air tenha sido um enorme fracasso.

Quem convive na cena sabe o que é: donos de bares que só querem saber de lucro e negam aos músicos até uma garrafa de água, promessas de pagamentos que ficam só na promessa, promotores sem nenhum preparo ou discernimento, etc. Essa é a realidade do metal no nosso país.

Mas, na cabeça de muitos, isso faz sentido. É comum ouvir por aí os trüe headbangers dizendo coisas do tipo “fazemos por amor ao metal” ou “fulano é um vendido”. Escondem-se neste mar de amadorismo e orgulho juvenil, e deixam de lado o profissionalismo, como se isso fosse uma tremenda falha de caráter. Gabam-se das bandas mais underground que conhecem, de suas descobertas mais obscuras, e rechaçam o sucesso de seus representantes com um “vocês não são mais os mesmos”.

É este pensamento, impregnado em nosso meio metálico, que faz com que não cresçamos e não evoluamos enquanto cena. Aliás, se é que podemos dizer que temos uma cena. Não por falta de bandas, pois temos sim bandas extremamente competentes no meio e que fazem um trabalho admirável, mas nenhuma delas recebe o devido apoio para desenvolver seu trabalho e tocam em poucos bares e lugares apertados dirigidos ao gênero. Músicos que, lá fora, são reverenciados, parecem aqui apenas servir para abrir shows dos verdadeiros músicos que vêm lá de fora.

Não quero dar uma de Edu Falaschi, e dizer que “brasileiro é tudo paga-pau de gringo”, mas realmente a cultura de desvalorização do rock nacional é evidente. É difícil, por exemplo, citar um músico de rock consagrado brasileiro que não tenha que dar aulas ou se dedicar a outras atividades para sobreviver. Ou ainda, citar uma banda nacional que lotaria uma casa de shows com sete mil lugares como as casas da capital paulista. Infelizmente, as bandas grandes de metal, no Brasil, são obrigadas a se sujeitar a estruturas ruins e shows em convenções de animês.

A cena do metal nacional é um adolescente, daqueles bem mimados. Cheio de paixões platônicas, mas pouca ação. Se dizem guerreiros do metal e gritam a plenos pulmões sobre os feitos dos cavaleiros na Idade Média com suas guitarras compradas pela avó. Talvez nós não precisemos lutar uma guerra, matar ou morrer pelo metal. Talvez precisemos apenas deixar de lado essa cultura da derrota, entender que ganhar dinheiro não é se vender, e apoiar o metal realmente é exigir qualidade das casas de show, profissionalismo, não tocar de graça, dar suporte às bandas nacionais e exigir respeito dos espectadores.

As bandas gringas que vêm para cá trazem estruturas, hoje em dia, invejáveis. Dão espetáculos grandiosos, mas a organização desses eventos por parte de nossos promotores é risível.

Somos tratados como gado, nos enfileirando e nos apertando numa grade de metal. Tratam-nos como marginais e somos cercados de pessoas incompetentes. Pagamos preços abusivos e taxas de conveniência totalmente esdrúxulas. E, no final, temos um serviço de péssima qualidade.

Lembro-me até hoje, na fila do show do AC/DC no Morumbi, em São Paulo, de ver um dos responsáveis por organizar a fila, fila esta que estava sofrendo com pessoas furando e uma tremenda desorganização, tomando uma cerveja e dizendo aos fãs que estavam em volta dele: “se vocês podem tomar, por que eu não posso?”. Será que é porque você está (ou deveria estar) trabalhando e precisa estar sóbrio para exercer essa atividade? O despreparo é evidente e revoltante.

O público de metal tem que agir menos com o coração e mais com a razão. Talvez assim não tenhamos mais fiascos como o Metal Open Air e profissionais qualificados e sérios se interessem em promover aqui no Brasil um evento deste porte. Se não, teremos apenas os oportunistas que querem se aproveitar dessa paixão. Paixão essa que nos leva a acampar na porta do estádio, passar horas embaixo de sol, ou ainda, viajar quilômetros, apenas para ver nossa banda preferida. Com faixinhas na cabeça e paixonites platônicas, tirando o fato de a cor numa fila de metal ser predominantemente preta, eu não consigo ver muita diferença de uma fila do show do Justin Bieber. Ambos agem pelas paixões cegas. E não se sintam ofendidos, pois eu mesmo já fiz isso.

Deixemos então de sermos cegos, usemos esse episódio para abrir os olhos e enxergar a verdadeira situação de nosso heavy metal. O Metal Open Air foi um verdadeiro show de amadorismo, mas não tratemos isso como um fato isolado. Quem vive a cena sabe que isso é uma constante, e que quem pode mudar isso somos todos nós.

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