O Vingador do Futuro

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Ah, os títulos nacionais. O Vingador do Futuro original, aquele estrelado pelo Arnold Schwarzenegger, recebeu este nome no Brasil única e exclusivamente para fazer referência a O Exterminador do Futuro. Apesar da máxima delfiana “não confie em filmes que tentam te convencer a assistir fazendo referência a outros”, o longa era muito legal, mas convenhamos, o nome era ridículo e não fazia sentido nenhum na trama.

E agora recebemos mais um filme baseado no conto Lembramos Para Você a Preço de Atacado, de Philip K. Dick, e a distribuidora brasileira se viu em maus lençóis. Será que mantinha o estúpido título O Vingador do Futuro, mesmo sem a presença de Schwarzenegger, ou tentava dar um título que tivesse a ver com a história. Bom, você sabe o que eles escolheram.

De qualquer forma, assim como Homem-Aranha, é meio estranho terem escolhido fazer este remake. O filme original, de 1990, não é assim tão velho e tem nomes muito grandes no elenco (Schwarzenegger e Sharon Stone, por exemplo), além de ser dirigido por um grande nome dos filmes de ação (Paul Verhoeven). Ele é high profile e tem qualidade suficiente para que praticamente todo mundo já o tenha assistido, e sinceramente me surpreenderia se algum delfonauta não o tiver visto.

VINGANDO O FUTURO

Assim, existem duas formas de analisar o novo O Vingador do Futuro: como quem viu o original, e como quem não viu. Eu já o assisti provavelmente mais de uma dezena de vezes e, segundo a DataDelfos, 97,82% dos delfonautas conhecem o filme de cor e salteado. Então optei por resenhá-lo presumindo que estou falando com pessoas que conhecem o filme original.

E se no original tínhamos um grande diretor, agora temos Len Wiseman, conhecido por fazer filmes que são a melhor definição de estilo sobre substância. No elenco, substituindo um dos atores mais carismáticos da história, temos Colin Farrell, cujo maior predicado é ser bonitão. E para completar, a esposa do diretor, conhecida por ficar fazendo boquinha sexy até quando não deveria. É, parece que, para citar um filme bastante conhecido de fãs de Seinfeld, temos um prognóstico negativo.

VINDO DO FUTURO PARA VINGAR

Aqui conhecemos Douglas Quaid (Farrell), um peão de obras insatisfeito com sua vida, mesmo sendo casado com a Kate Beckinsale. Ele resolve então ir a uma empresa que implanta memórias na sua cabeça para viver uma vida de agente secreto, mesmo que seja apenas uma ilusão. Antes que o procedimento possa começar, no entanto, ele passa a ser caçado não apenas pela polícia artificial (robôs um tanto parecidos demais com stormtroopers) quanto pela patroa.

É uma história complexa e bastante interessante. Diria até que o original é um dos filmes mais inteligentes estrelados pelo Arnoldão. Em um mundo em que as pessoas se confundem com o mastigadinho final de Lost, é seguro dizer que a história de O Vingador do Futuro pode ser considerada difícil por muita gente.

As cenas de ação são belíssimas, muito bem coreografadas e longas. Longas até demais. O filme inteiro, aliás, é de um visual esplendoroso. O foco na ação foi tanto que deram uma bela diminuída nos diálogos e em todo o lado filosófico para deixar o filme com um gosto mais fast food.

O delfonauta sabe que eu não tenho nada contra filmes do tipo “desligue o cérebro e divirta-se”. Porém, este é um caso em que a história é muito complexa, com suas várias nuances e viradinhas, tornando impossível sua transformação em um filme fast food. Se você desligar o cérebro, não vai conseguir acompanhar a história. E, se deixar o cérebro ligado, vai começar a ficar entediado pelas cenas de ação longas demais e pelos furos de roteiro.

Por exemplo, um dos momentos mais conhecidos do filme original é a mulher de três peitos. Lá, ela aparece após o espectador já estar ciente dos mutantes e do que causou seu aparecimento. Aqui, não existem mutantes, e a tal mulher tri-peitada é a única pessoa do filme inteiro que não tem a anatomia normal do ser humano. Então por que diabos ela tem esse peito extra? Mais ainda, por que diabos colocá-la no filme, uma vez que ela tem apenas uma fala, menos de 10 segundos de tempo de tela e nenhuma importância para a história? Ok, a referência ao original pode ser legal, mas você não coloca um mutante em um filme sem mutantes, caramba!

VINGANDO OS VIDEOGAMES! NO FUTURO!

Len Wiseman é um diretor que sabe como conseguir imagens bonitas. Ele manja de enquadramento, de efeitos especiais e de cenas de ação. Porém, ele não manja nada de algo bem mais importante: narrativa. Sua falta de timing é claríssima pela duração das cenas de ação e pelos furos constantes na história. Mas pelo menos o que ele faz bem, ele faz muito bem.

A cena de ação que acontece na Rekall, por exemplo, é um belíssimo plano sequência que dá vontade de aplaudir. Pouco depois, ainda rola uma perseguição em 2D sidescroller que tem a maior cara de Super Mario e é muito legal.

Este não é o único momento de videogame do longa, no entanto. Tem uma hora em que Farrell enrola os guardas num chicotinho luminoso e os joga no teto. Bulletstorm, alguém? E não dá para ignorar a influência de Dead Space na forma que os combates em gravidade zero foram filmados.

É uma pena apenas que Len Wiseman não esteja filmando videoclipes. Cinema não deve ser apenas 120 minutos de cenas bonitas. Uma história bem contada é essencial, e isso ele não sabe fazer. Repare a quantidade de exposição que é feita através de texto ou de telejornais. Caramba, o cinema é uma arte audiovisual, não é assim que você explica seu mundo para o espectador. Este Vingador do Futuro é muito mais simples e menos desenvolvido que o original, sem conseguir, no entanto, ser simples o suficiente para ser apenas uma diversão descompromissada.

Um belo exemplo disso é a cena em que Quaid encontra o vídeo de si mesmo lhe dando instruções do que fazer para sobreviver. Cara, essa cena originalmente é tensa, emocionante, e ao mesmo tempo engraçada. Aqui, ela é apenas expositiva. E um tanto entediante.

Admito, eu estava com as expectativas altíssimas para este filme. O original é tão bom que este poderia ser igualzinho, apenas com efeitos especiais atualizados, e ainda assim ser excelente. É difícil imaginar como poderia dar errado. Bom, poderia dar errado sendo basicamente um videoclipe sem Marte e sem mutantes, estrelado por atores sem sal e sem carisma. É um grande candidato à minha Decepção Delfiana de 2012.

Talvez se você não assistiu ao original, possa se divertir aqui. Porém, se você realmente não assistiu ao original, faça isso! Particularmente, eu passei toda a projeção desejando estar assistindo à versão de 1990, superior em todos os sentidos. Este não é uma porcaria, é apenas genérico. E o original, ah, esse é um clássico. E este remake não fez nada para tirar o lugar dele.

CURIOSIDADES:

– Eu fui ao cinema com meu pai para assistir a O Vingador do Futuro original, em 1990. Criancinha que era, fiquei assustado com as cabeças explodindo em Marte e saí da sala. Enquanto esperava o filme acabar e meu pai sair, fiquei entediado e resolvi morder minhas unhas. Foi o início de um hábito do qual até hoje não consegui me livrar. E sua vida mudou totalmente depois de ler esta curiosidade.