Uma coletânea de ideias sobre música – Pt. 2

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Bem-vindo à parte 2 das minhas “ideias sobre música que não renderiam textos individuais”. Hoje falaremos do impacto da gravação/arranjos e da mensagem, estrelando duas das principais bandas do Hard Rock oitentista pesadão: o W.A.S.P. e o Twisted Sister.

A VESPA QUE MATA

Você sabe do impacto que a gravação e o arranjo têm para uma música, não sabe? A mesma composição, gravada de forma diferente, ou com instrumentos diferentes, pode dar um clima totalmente diferente à música, inclusive agradando a pessoas diferentes. Ouça, por exemplo, as duas versões abaixo de Eagle, clássico do Abba.

Versão original:

Versão heavy fuckin’ metal from Valhalla:

Se você está lendo este texto, é seguro dizer que você é um fã de rock pesado. Assim, aposto que curtiu pra caramba a versão do Sargant Fury, mesmo que talvez odeie a original. E isso é normal. Essa é uma das coisas legais de covers: dar interpretações para uma mesma composição de forma que ela atinja um novo público ou crie sentimentos diferentes naquele que as ouve. E por isso é perfeitamente compreensivo quando uma banda de metal grava uma canção pop ou vice-versa. Mas e quando estamos falando da mesma banda?

É comum a mesma banda regravar algumas de suas músicas algumas décadas depois, mas a diferença dificilmente é algo além de cosmético. Uma afinação mais baixa ou uma guitarra mais distorcida aqui, um solo extra ali, uma interpretação diferente no vocal acolá. E aqui entra o W.A.S.P. e sua Killahead.

Meu primeiro álbum do W.A.S.P. foi o excelente Double Live Assassins. Uma das músicas do álbum é Killahead, e você vai ouvi-la abaixo.

Se você conhece o estilo do W.A.S.P., deve ter percebido que essa música segue a mesma linha dos clássicos da banda, inclusive com a letra “mamãe, olha como eu sou mau”. E os coraizinhos, destacados em negrito abaixo, dão a essa maldade o tradicional jeito fofinho dos clássicos da banda.

Die, baby, die / oh, hell yeah / Die, baby, cry / gonna make you / Make your mother cry / oh, yeah / Killahead, killahead

É bobo pra caramba, mas é bobo de um jeito legal, típico de bandas que se apropriam dessa temática de filme B, como o Misfits ou o Alice Cooper. Mais do que tudo, aliás, é típico do W.A.S.P.. Tão típico, aliás, que, antes de conhecer a discografia da banda, eu juraria que ela estava num dos primeiros álbuns. Killahead rapidamente se tornou uma das minhas preferidas do Double Live Assassins e até mesmo de todas as composições da banda.

Qual não foi minha surpresa, portanto, ao constatar que ela estava no K.F.D., o disco eletrônico dos caras, em que eles quiseram soar como o Nine Inch Nails. Ora, certamente era uma música que se afastava do conceito do álbum, algo para não deixar os fãs antigos tão chateados com a mudança de direcionamento. Bem… ouça a versão de estúdio aí embaixo.

Holy, flying, superhero, titfuckin’ Christ! Nem parece a mesma banda tocando! E sabe o que é mais impressionante? A versão ao vivo pela qual me apaixonei não foi gravada muitos anos depois, mas na turnê do próprio K.F.D.. E o disco Double Live Assassins saiu menos de um ano depois do K.F.D..

Eu não sei se a banda percebeu que não soou bem com sua cara industrial, ou se tocava uma versão mais orgânica ao vivo pela facilidade de não ter que encher os instrumentos e vocais de efeitos, mas não dá para negar que parece uma composição diferente. Tivesse eu conhecido a Killahead pelo K.F.D., dificilmente ela teria se tornado uma das minhas preferidas da banda. Aliás, eu duvido muito que sequer tivesse me chamado atenção. E não é uma cover ou uma regravação décadas depois. São todos os músicos que a gravaram originalmente tocando a faixa ao vivo poucos meses, talvez até dias, depois de o álbum ser lançado. Impressionante, não?

E sabe o que me deixa chateado nessa história? A faixa de abertura do K.F.D., intitulada Kill Fuck Die, apesar do clima industrial e eletrônico, me agrada muitíssimo. Ouça-a.

Legal, não? Eu até a colocaria entre as três músicas da banda que mais gosto. E imagine só o o estrago que aquele refrão gritando “Kill! Fuck! Die!” faria em um show! E mais do que isso, se Killahead ficou tão mais legal ao vivo, imagina quão absurdamente tremendona Kill Fuck Die ficaria com uma gravação mais orgânica. Infelizmente, que eu saiba, ela nunca foi tocada ao vivo, então não temos como conferir. Fica a dica para as bandas que estão procurando uma cover legal para fazer. E se você realmente fizer uma versão orgânica dessa faixa, mande para nós, pois adoraria ouvi-la. =D

E você? Qual versão de Killahead te agradou mais? Consegue pensar em algum outro exemplo como esse?

E já que falamos no W.A.S.P., vamos falar sobre uma outra banda que normalmente é colocada no mesmo grupo: o Twisted Sister.

WHAT DO YOU WANNA DO WITH YOUR LIFE?

Todo mundo lembra do Twisted Sister por causa dos seus vídeos engraçadíssimos, que parecem desenhos do Papa-léguas com atores.

O que me deu vontade de falar sobre isso aqui não é apenas o humor, do qual gosto muito, mas o fato de que o vocalista Dee Snider, que escrevia as letras da banda, é um gênio, a voz de uma – e talvez mais de uma – geração. Eu mesmo não sou da geração que ouvia rock nos anos 80 e as letras do Twisted Sister falam muito comigo.

Nesses clipes, temos a mensagem autoritária, da escola, da família e da sociedade em geral, tentando acabar com a NOSSA expressão, o Rock. Mas não, we’re not gonna take it! We wanna rock!

E isso não era limitado às letras. Preste atenção na bronca que o pai dá para o filho.

Cara, eu não sei se foi o próprio Dee Snider que escreveu esse roteiro, mas isso é nada menos que genial. Quando o clipe foi lançado, no contexto da guerra fria, pós-Vietnam, a sensação era que o mundo estava em guerra e, como sempre, os EUA estavam felizes com sua violência como porcos no chiqueiro. A única forma que a juventude tinha para extravasar era, adivinhou, o rock e o heavy metal.

Mas eles não querem nos ver felizes! “Wipe that smile off your face”, grita o pai/professor. “I carried an M-16 and you, you carry that… that… GUITAR”, continua, insinuando que a guerra é algo digno e adulto, mas o rock… ora, o rock é só perda de tempo. Mas nós, os jovens, não queremos violência, não queremos brigar! Queremos ser felizes e tocar rock. I Wanna Rock!

Caramba, eu me emociono só de escrever isso, e hoje estou muito mais próximo de ser um pai do que de ser um adolescente idealista que sonha em ser um músico famoso. É lindo, não é? E o Twisted Sister conseguia passar essa mensagem profunda para os jovens – e talvez até alguns adultos – através de videoclipes que eram basicamente desenhos animados, e que faziam todos gargalharem. Ora, a melhor forma de lidar com os problemas da vida e com as coisas que nos deixam tristes é o humor. Alguém discorda?

O mais curioso é que esses clipes davam a entender que o Twisted Sister era, estilisticamente, alegre e engraçado. E sabe de uma coisa? Não era! As letras da banda eram geniais, mas nada tinham de engraçadas e, na verdade, pareciam até decepcionadas com a vida e com o mundo. Em sua maioria, os assuntos abordados eram bem mais adultos, sérios e desiludidos do que a mensagem “jovem idealista” dos clipes passa. Se liga, por exemplo, no refrão de The Price:

oh it’s the price we gotta pay / and all the games we gotta play / makes me wonder if it’s worth it to carry on / cause it’s a game we gotta lose / though it’s a life we gotta choose / and the price is our own life until it’s done

Pesado, não? A desilusão da vida adulta e o gosto amargo de alguns sonhos realizados é uma mensagem bem diferente daquela ideia de “você não pode parar o rock’n’roll” que a maioria das pessoas pensava quando lembrava da banda. E The Price não é a exceção. You Can’t Stop Rock’n’Roll que é.

Curiosamente, a banda só divulgava mesmo as músicas mais divertidas. Quando peguei um disco dos caras pela primeira vez e acompanhei com as letras, fiquei bastante surpreso ao constatar que eles não eram apenas uma banda que falava de Rock, como o Kiss, mas uma banda que falava sobre as dificuldades da vida. E gostar de Rock era apenas uma dessas dificuldades.

Essas letras mais sérias falavam comigo tanto quanto as outras, mas de forma completamente diferente. E assim percebi que era possível ser divertido e sério, engraçado e inteligente, tudo ao mesmo tempo. E há quase 11 anos tento fazer exatamente isso com o DELFOS. =D

Espero que você tenha gostado desta minissérie de ideias aleatórias sobre música. Caso tenha perdido a primeira edição, não prie cânico, basta entrar aqui e se regozijar todo. Pode ser que esta série continue em algum momento, mas, por enquanto, faço minhas as palavras do nosso amigo Forrest Gump:

PS: Na foto que ilustra esta matéria, temos Mike Duda, baixista do W.A.S.P. e Dee Snider, vocalista do Twisted Sister.